segunda-feira, 11 de junho de 2012

O Pasquim - Paulo Francis fala de Madame Satã

Por Thiago Maia

Após entrevistar o polêmico João Francisco dos Santos Sant´Anna, mais conhecido como Madame Satã, Paulo Francis, um dos jornalistas d’O PASQUIM, fez uma interessante declaração a respeito do entrevistado. Confira:

“ Satã nos impressionou bastante, porque é um tipo completamente fora do nosso âmbito de experiência. Todos nós duvidamos de tudo, inclusive de nós mesmos. Convertemos nossos superegos em catedrais em que nos ajoelhamos pedindo perdão a nós mesmos, sem resultado. Satã tem certeza das coisas que faz. Eu disse, na entrevista, que ele me parece – literatura à parte – mais sofisticado e legítimo do que Jean Genet ( o que Sartre escrevia sobre ele, fico pensando). Não esconde o jogo. Se aceita como é. Há coisa mais difícil? Pra nós (um mítico “nós” e “todos”, bem entendido, mas os incluídos se reconhecerão) impossível.

Eu diria mais: que Satã representa a verdadeira contracultura brasileira, que essa que aí está, apesar de seus valores intrínsecos e universais, nos foi imposta de fora pra dentro, o que às vezes é bom, outras, não. Já Satã emergiu deste asfalto, deste clima, deste ragu cultural brasileiro, que tentamos negar inutilmente, mas que tal qual o rio do poema de Eliot, é um deus primitivo, capaz de adormecer, apenas, e sempre vivo, vingativo e traiçoeiro. A sociedade urbana, de consumo, aqui, é puro verniz, descascando visivelmente. Outras forças, suprimidas, estão aí, poderosamente latentes, acumulando impacto.

A inocência de Satã das coisas da moda elitista, de modelos de raciocínio, é completa. Mas nenhum de nós se sentiu tentado a ironiza-lo. Não por medo. Ele é bem mais educado que a maioria dos grã-finos que conheço (um bom número, acrescento). Foi por respeito. Sentimos uma personalidade realizada. Quantos de nós podem dizer a mesma coisa? Nesse mundinho de classe média pra cima, que muita gente boa (tradução: poderosa) imagina ser o Brasil, e que é, no duro, uma ínfima e arrogante minoria, pouco existe de igual em termos de tipo. Quem vai prevalecer? Não percam o próximo e emocionante capítulo ” (Paulo Francis)

(Extraído de As Grandes Entrevistas do Pasquim, 1975, Jaguar – 1ª edição)

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